Fim da isenção para títulos privados mexe com atratividade do Tesouro
Por: Cris Almeida
Fonte: Valor Econômico
Com a polêmica sobre o tarifaço, ficou em segundo plano nas discussões de
mercado a revisão das regras de isenção de Imposto de Renda (IR) sobre
investimentos privados - como Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Letra de
Crédito do Agronegócio (LCA), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) e
Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
Nem por isso, no entanto, a medida provisória redigida pelo governo perdeu
impacto. Prevê fim da isenção para esses papéis, com tributação de 5%
de Imposto de Renda (IR) a partir das emissões em 2026, além da
tributação fixa em 17,5% para os títulos públicos, e não mais seguindo a
tabela regressiva do IR. Falta, agora, a aprovação pelo Congresso.
Embora de caráter regulatório, a medida foi tomada principalmente com o
objetivo de turbinar a arrecadação federal, em alternativa a um recuo parcial da
alta do Imposto de Operação Financeiras (IOF). De todo modo, toca em um
ponto sensível: mexe com o equilíbrio entre o mercado de crédito privado e o
Tesouro Direto.
“Ao tirar esse esse incentivo aos papéis isentos, a gente consegue dar mais
competitividade para o Tesouro Direto, então beneficia quem só consegue
investir nos títulos públicos e também o governo, que consegue financiar a sua
própria dívida em um custo menor", diz o fundador da Stay, Tsai Chi-Yu.
Na prática, a isenção de IR funciona como um atrativo para que investidores
pessoas físicas escolham produtos do crédito privado, especialmente os
emitidos por bancos. Com remunerações que já competem com os títulos
públicos, essa vantagem fiscal desequilibra a disputa, especialmente no
momento em que o governo precisa ampliar sua base de financiamento
com taxas controladas.
Além disso, Tsai destaca que a isenção cumpre um papel importante de política
pública indireta.
“A isenção de de LCIs e LCAs são importantes por direcionarem crédito para
segmentos muito relevantes para o Brasil, como o setor imobiliário e o setor
agrícola”, diz. “Esses papéis isentos funcionam como uma forma de você
conseguir alocar, via mercado de capitais, dinheiro para setores que em tese o
governo provavelmente teria interesse de fomentar.”
A eventual mudança nas regras da isenção, como a aplicação de alíquotas
regressivas de IR ou a limitação do benefício, ainda está em discussão e depende
de alinhamento político no Congresso. Mas, qualquer que seja o desfecho,
o impacto será direto no bolso do investidor e no custo de financiamento
da dívida pública.
Para Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, o fim da isenção
de títulos privados tende a reorganizar as preferências no mercado de renda
fixa, mas não necessariamente desequilibrar.
"De fato, pode haver um ganho de competitividade para os títulos públicos no
curto prazo, já que passam a concorrer em bases mais niveladas com debêntures
incentivadas, CRIs, CRAs e cotas de FIDCs isentos", diz. "Mas é importante
lembrar que os títulos privados oferecem, além da remuneração,
exposição a setores produtivos e estratégias com maior potencial de
diversificação e retorno ajustado ao risco."
De acordo com o analista, a medida pode provocar ajustes nas taxas de emissão,
mas não compromete a relevância estrutural desses instrumentos. Ele cita o
caso dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) como
exemplo. Neles, a tributação pode ser diluída pela eficiência das estruturas, pelo
perfil de risco mais ajustado e pela possibilidade de originar crédito fora do
sistema bancário tradicional. E esses fatores continuam sendo valorizados por
investidores qualificados.
Ou seja, a demanda deve se reequilibrar, não desaparecer. "Em vez de
enfraquecer o crédito privado, a mudança pode acelerar a sofisticação das
estruturas e a busca por soluções mais inteligentes de alocação".
Outro ponto levantado pelo presidente da MA7 Negócios, André Matos, é
que o fim da isenção dos títulos privados tem potencial de estimular uma
mudança estrutural na forma como empresas, e não só investidores, enxergam
o custo de oportunidade e a alocação de capital.
"Para o investidor, os títulos públicos ganham atratividade imediata, pela
segurança e agora também pela competitividade tributária. Para as empresas,
especialmente aquelas que dependem do mercado de dívida, o cenário exige
mais planejamento financeiro e alternativas de captação de recursos. A
diferença entre tomar empréstimos via mercado de capitais ou via crédito
bancário pode se estreitar, exigindo mais estratégia na estruturação da
dívida”.
Uma dúvida que surgiu durante a discussão foi sobre o impacto da proposta
sobre os títulos que já haviam sido emitidos (ou seja, o estoque). A MP
confirmou que os ativos emitidos e liquidados até o dia 31 de dezembro
de 2025 permanecem isentos, inclusive os que forem negociados no
mercado secundário.
Isso significa que quem já tem títulos de renda fixa isentos continuará a
contar com a isenção até o vencimento contratado.
Qual escolher: título público ou privado?
Apesar da retirada da isenção, a atratividade dos títulos incentivados
continuaria, uma vez que a alíquota permaneceria menor (ainda que
deixe de ser nula), em comparação com a tributação dos títulos públicos. A
avaliação é de Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos.
Para ele, a alíquota de 17,5% fixada para todos os demais ativos de renda
fixa reduz o incentivo para o investidor manter os investimentos por mais
tempo, o que pode ser ruim para quem quer construir patrimônio.
"Esse movimento é particularmente mais negativo se considerarmos que ainda
há uma parcela grande de investidores brasileiros no início da sua jornada de
investimentos. Ou seja, ainda aprendendo a importância do longo prazo".
No geral, a recomendação para os papéis segue a mesma, segundo os
analistas. A queda da isenção torna o Tesouro Direto mais competitivo,
mas, por outro lado, a tributação dos títulos privados seguem menores e
a finalidade dos investimentos tem suas particularidades.